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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Eu nunca soube lidar com flor

Eu nunca soube lidar com flor, sempre mantive uma distância segura para ambos os lados. A verdade é que não gosto de espécies com as quais não consigo me comunicar. Claro que dá pra conversar, mas a resposta é um tanto subjetiva. Em resumo, elas sempre me foram indiferentes e como eu sou do tipo que se importa com os outros, nunca consegui criar identidade com elas.

Foi o meu psicólogo slash astrólogo que falou que esta deveria ser a minha primeira aquisição no Canadá. Fiquei pensando que poderia ser algo simbólico: lidar com a terra, plantar, ver florir. Materializar, enfim! E foi num dia sem graça, num supermercado qualquer, que eu conheci essas florzinhas cor de pêssego. Estavam em promoção, eram do tom que eu queria para alegrar a minha sala e eram begônias, uma espécie que já usei como metáfora em uma poesia há um tempão. Ou seja, tinha de ser. =)

Minha "cria"

O que eu descobri depois de um tempo é que elas não eram um mero objeto de decoração, elas tinham vida e, pior, insistiam em me provar, todos os dias, que eu nunca poderia ser mãe. Foi triste. Elas adoeceram pouco a pouco, sem água, sem luz e provavelmente sem muitas outras coisas das quais elas precisam e eu não faço ideia. Achava que por estarem plantadas num vaso, não iriam morrer assim tão fácil. Só que chegou num ponto em que elas ficaram à beira da morte, e eu posso não ser lá muito cuidadosa, mas eu tenho compaixão por qualquer espécie, até pelas indiferentes à mim. Eu precisava fazer alguma coisa.

Foi então que eu me tornei mãe, sem nem perceber. Aliás, acho que isso acontece até na nossa própria espécie. A gente vai brincando e de repente está ali, cara a cara com um “serzinho” frágil, cuja vida depende de nós. A minha "cria" foi adotada, mas dá no mesmo. Dá um medo danado. Principalmente pra quem não aceita bem os próprios erros, como se fosse possível viver sem falhar. O lance é que a gente não tem escolha, o jeito é ir fazendo, como a gente acha que é certo. Na maior parte do tempo, não vai ter ninguém pra ajudar. As pessoas só vão olhar e elogiar (ou não) aquilo que ela se tornou (pela natureza dela, com maior ou menor interferência sua). O resultado está ali, escancarado pra quem quiser ver, durante o processo todo.

Os dias foram passando e eu me habituei a cuidar da minha cria do meu jeito mesmo: um pouquinho de sol da manhã e água todos os dias. Aliás, devo confessar, eu já até converso com ela e a considero uma excelente companhia: não fica me julgando e está ali todas as noites, respirando do meu lado. Só espero que um dia ela não me roube todo oxigênio, já que dormimos juntas, com tudo fechado. Já pensou se um dia ela resolve me matar? Tem filho que faz isso... afe!

Difícil pensar na morte quando se é mãe. Tem quem tenha medo do filho morrer e de experimentar a pior dor do mundo. E tem quem tenha medo de morrer e deixar o filho no mundo. Mas por mais que a gente tente evitar o pensamento a todo custo, ele está ali a nossa espreita todos os dias. Aliás, tenho refletido bastante sobre isso, acho que o fato de não gostar de flores pode estar ligado ao meu medo da morte. Ao cheiro de cemitério que muitas têm. E ao ciclo de vida delas, que é tão mais curto que o nosso e que nos expõe, em cada pétala que cai, à fragilidade da nossa própria existência.

Mas ser mãe, acima de tudo, serviu pra me ensinar que o medo da morte não pode nos impedir de lutar pela vida. Todas as noites eu recolho as flores que caíram murchas e cuido dos caules adoecidos, algumas vezes tendo de apará-los eu mesma -o que me dói muito e, ao que parece, nunca vai parar de doer. Acho que isso também é educar.

Dizem que antes de sermos mães de uma criança, devemos ser mães de cachorro. Eu acho que antes do cachorro, devemos ser mães de uma flor. Preciso lembrar de agradecer ao meu psicólogo, que me ensinou com essa tarefa, não a materializar, mas a nutrir. E que este processo é tão enriquecedor, que o que vem depois se torna apenas uma consequência.  

4 comentários:

  1. Já li muitos posts legais no seu blog, mas esse foi de longe, o que achei mais "um must" ;) Acho que porque foi o que eu me identifiquei mais. Nunca tive um psicólogo assim, para chamar de meu (rrsrs), [e nao que eu nao precisasse] e nunca tinha me dado conta que vivi sem querer esse mesmo processo que você descreveu...mas eu nao tinha notado que a beleza nao estava so no resultado materializado, que é a flor ali, toda explêndida (depois de já ter matado 10, botado fungo em 15, secado outras tantas...), mas principalmente na beleza da transformaçao e a liçao que fica para nós mesmos: a de que sempre podemos superar aquilo que subjulgamos como limitaçao!

    Bom, dito tudo isso, amigo Google é pau pa toda obra, sabendo o nome da planta já é mais de 1/2 caminho andado, tem como plantar, como cuidar, quais as doenças, como tratar.

    bjocas
    Erika

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    1. Oi Erika!

      Adorei o seu comentário e fiquei super feliz em saber que você também lê os meus posts de vez em quando (eu sou fã de carteirinha do les lapins!)

      Nessas aventuras de "mãe" eu dei uma lida no google pra saber como cuidar das begônias, mas, ao menos no site em português, dizem pra colocar água a cada quatro dias. Não sei se aqui no centro de Montreal o ar é seco demais, mas eu preciso colocar todos os dias! Aprendi na marra mesmo... mas ainda tô só começando! =D

      Beijoca!

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  2. Adriana Fernandes França24 de agosto de 2013 às 08:10

    Andrea, adoro seus textos, sempre os leio. Esse em especial mexeu bastante comigo. Engraçado que comecei pelos cachorros, fui mãe de 2 pequeninos ( hoje é apenas 1, a fêmea nos deixou no Natal passado, saudades... ). Agora sou mãe de 2 humanos... amor imenso, inexplicável. Já as plantas apareceram por último na minha vida e, como vc, tenho dificuldades em entendê-las, talvez eu não esteja me esforçando o suficiente, sei lá, ou seja falta de tempo mesmo. Tenho várias aqui no Brasil e terei de deixá-las quando for pra Montreal. É mais fácil deixar pra trás as plantas que os animais... meu pequenino ficará com a vovó, ele está velhinho demais pra aguentar 12 horas de avião até o Canadá. Fora toda a burocracia pra levar um animal junto.
    Bom, como vc disse, o processo é enriquecedor. Cada filho nos ensina algo novo e, quando achamos que aprendemos a lidar com aquela situação, vem uma nova e, consequentemente, uma nova experiência. Nunca acaba.
    Grande beijo e boa sorte nas suas descobertas!!!

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    Respostas
    1. Oi Adriana!

      Muito obrigada! Fiquei super feliz com o comentário...curioso que o seu processo tenha sido o inverso! Concordo muito quando você diz que "quando achamos que aprendemos a lidar com uma situação, vem uma nova e, consequentemente, uma nova experiência. Nunca acaba.". É um aprendizado constante mesmo, sejam flores, cães ou filhos, na sua devida proporção. :)
      É uma pena que não possa trazer seu cãozinho, algumas escolhas são bem difíceis de fazer, mas entendo, é para o bem dele. Já plantinhas não faltam por aqui... ;)

      Um beijão e boa sorte pra vc tbm!

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