Brasil ou Brazil? Nossas crianças têm de escolher?
Por Regina Camargo e Eliana EliasMuitos pais nos pedem sugestões práticas para continuarem a apoiar o desenvolvimento da língua portuguesa dentro de casa. A verdade é que existem muitas formas de se fazer isso, e nem todas as estratégias usadas serão bem sucedidas em todas as famílias. Temos que considerar várias diferenças: nível educacional da família, temperamento das pessoas envolvidas, línguas faladas por outros membros da família, etc. Porém, entendemos que a formação de uma identidade cultural sadia e o desenvolvimento de relacionamentos positivos dentro da família são fundamentais para qualquer aprendizado. Portanto, longe de criarmos uma lista completa, estaremos dividindo algumas sugestões que nos ajudaram na formação da nossa abordagem educativa.
1- Faça um esforço consciente - A perda da língua materna ocorre na maioria dos grupos de imigrantes. Quando a criança é cercada por uma língua dominante, ela tende a desenvolver a preferência pela língua falada na escola, na rua e nos meios de comunicação. Famílias de imigrantes que querem apoiar o desenvolvimento da língua materna têm de fazer um esforço consciente para que isso aconteça.
2- Cultive relacionamentos positivos - A língua não passa de um veículo para unir as pessoas. O ser humano nasce com o instinto natural de se comunicar, de compartilhar experiências com outros seres humanos. A base de todo aprendizado está no relacionamento. Relacionamentos positivos ajudam na formação de uma comunidade receptiva, que estimula a comunicação.
3- Mantenha a naturalidade - Muitos pais desistem de falar sua língua nativa quando seus filhos começam a responder na língua dominante. Outros se tornam militaristas, e forçam o uso do português dentro de casa, a ponto de transformarem as interações entre pais e filhos em algo extremamente negativo. O ideal é procurar um equilíbrio. A melhor forma de se cultivar a língua é criar um ambiente natural e positivo, onde nenhuma língua é proibida.
4- Crie um ambiente onde todos os membros da família possam conversar e trocar idéias - Muitos imigrantes levam uma vida muito corrida, sempre trabalhando muito. É preciso lembrar que a criação de rotinas familiares, como refeições, idas ao parque, passeios e eventos festivos formam a base da vida afetiva da criança. Temos que, deliberadamente, criar rituais onde os membros da comunidade possam achar oportunidades para comunicação diária.
5- Evite usar as crianças como intérpretes dos mais velhos - Crianças tendem a aprender a língua do país hospedeiro bem mais rapidamente que seus pais. Em muitas comunidades de imigrantes as crianças tornam-se tradutoras. Pesquisadores têm documentado os efeitos negativos que essas práticas, aparentemente inofensivas, têm na formação da identidade das crianças. Ter um papel de tamanha responsabilidade confunde a criança, que passa a ver os pais como incapazes. Essa mudança na hierarquia familiar traz problemas que são ainda mais visíveis nos adolescentes. Os pais que aprendem a língua dominante ou que procuram manter a hierarquia familiar intacta têm mais chance de manter um relacionamento sadio com seus filhos.
6- Crie oportunidades para a criação de projetos - Projetos simples, como pintar um quarto, fazer um bolo, escrever uma estória, costurar uma roupa ou confeccionar um carrinho de madeira, proporcionam plataformas para desenvolvimento de vocabulário rico e um contexto de aprendizagem novo e cativante. Crianças amam um projeto!
7- Veja as crianças como fontes de inspiração - Observe as ‘paixões’ das crianças e incentive essas paixões. Futebol? Animais? Música? Quase todos os assuntos tornam-se ricas fontes de aprendizado.
8- Fique atento aos ‘erros’ - Tente não se tornar a ‘polícia linguística’ de seus filhos. A correção excessiva dos erros pode inibir o desenvolvimento natural da língua. Porém, fique atento aos erros. Eles podem ser fonte de informação interessante… uma das estratégias efetivamente usadas é repetir a frase corretamente durante a conversa. Outra é simplesmente ‘guardar’ o erro e falar sobre ele dentro de um outro contexto.
9- Crie um ambiente linguisticamente rico - Incentive boa música, livros e oportunidades para conversar. Leia! Leia! Leia! A força da leitura não pode ser minimizada. Livros desenvolvem o vocabulário, a capacidade de compreensão, o conhecimento geral e a criatividade.
10- Use um vocabulário variado e fuja das palavras comuns - O fato de estarmos morando fora do nosso país faz com que as fontes de inspiração linguísticas dos nossos filhos sejam limitadas. Por isso devemos fazer um esforço contínuo para darmos a eles a experiência de um vocabulário variado. Por exemplo: ao invés de dizer simplesmente “Que sorvete bom!”, exagere, diga “Esse sorvete está extremamente delicioso… nunca provei algo assim… um manjar dos Deuses!”.
11- Use gestos e repetições - A linguagem corporal tem um valor muito grande dentro da comunicação. Use e abuse de gestos para criar um contexto onde as palavras possam se encaixar normalmente. Se a criança não entender algo, evite a tradução. Mude as palavras, explique de outra forma. Use a tradução somente quando extremamente necessário.
12- Crie contextos diferentes e divertidos - Passeios, shows, brincadeiras e jogos são ótimas formas de estimular a imaginação e o uso da linguagem.
13- Estimule a formação de uma comunidade - Crianças e adolescentes precisam de ‘espelhos’ que reflitam suas realidades. A conexão com outras pessoas que desfrutam de experiências similares estimula a formação de uma identidade cultural sadia.
14- Demonstre interesse pela leitura e pela beleza da linguagem - Crianças imitam o comportamento dos pais. Seja expressivo sobre seu interesse pela beleza da língua portuguesa. Leia para seus filhos, leia com seus filhos e leia enquanto seus filhos estejam observando você.
15- Faça um investimento em materiais educativos - Evite entrar nas armadilhas da sociedade de consumo! Busque brinquedos educativos e reusáveis. O ato de brincar é importantíssimo para a formação cognitiva da criança.
16- Evite atividades passivas - Crianças que passam muitas horas na frente da televisão ou do computador perdem a chance de interagir ativamente com outras pessoas ou com materiais educativos.
17- Construa ‘pontes’ de entendimento entre a escola e a família - Mesmo as famílias que não falam a língua dominante devem desenvolver um papel ativo na escola. Procure formas de participar da vida escolar de seus filhos.
18- Cultive orgulho pela nossa cultura, língua e costumes - Nossa língua está intimamente conectada com nossa cultura.
19- Evite ser excessivamente patriótico - Um grande número das crianças brasileiras imigrantes não retornará ao Brasil. Viver com essa realidade é entender o papel que temos na formação de crianças que têm aptidão multicultural. É importante cultivarmos a apreciação por TODAS as culturas e línguas que nos cercam. E também importante não colocarmos a cultura hospedeira e a cultura brasileira em competição.
20- Fale abertamente sobre as diferenças culturais - Explicações simples como: “No Brasil as pessoas se cumprimentam com três beijinhos e aqui a gente aperta a mão.” São mais descritivas que julgamentos como: “No Brasil as pessoas são mais calorosas, aqui todo mundo é tão frio!”.
21- Fale sobre o processo de aprendizagem da língua, tornando-o consciente - O processo de desenvolver duas línguas é às vezes complicado. Conversando com as crianças sobre esse processo podemos ajudá-las a desenvolver ferramentas para que elas possam melhor enfrentar os desafios.
22- Evite usar o português como forma de chamar a atenção das crianças - Temos que procurar construir laços positivos com o português. Por isso, usar o português somente para corrigir o comportamento das crianças não é recomendável.
23- Procure manter laços com sua família brasileira - A tecnologia nos disponibiliza muitas formas de continuarmos a ter contato com nossas famílias no Brasil. Telefonemas, cartas, e-mails e vídeos se tornam influências poderosas na formação das crianças. Meus filhos, por exemplo, adoram receber vídeos dos tios, tias e primos. Nesses vídeos, alguns membros da família contam estórias, outros leêm livros e outros simplesmente mandam recados.
***O artigo acima foi publicado originalmente no site Contadores de Estórias