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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A dor e a delícia de ser emigrante

Hoje me deparei com um artigo com o qual me identifiquei muito. Trata-se do "Ex-imigrante, síndrome do regresso", leitura que eu recomendo. Talvez o meu caso não sirva de parâmetro, já que morei um ano em Vancouver, voltei, morei um ano em Montreal e agora estou no processo de imigração, mas muita coisa que está ali me chamou a atenção...

Quando cheguei no Canadá, percebi essa preocupação com o choque cultural e a depressão que dela advém. Para ajudar nisso, eles distribuem guias de como se portar depois da fase de "encantamento", para que haja uma adaptação real. É algo sistemático, todo mundo passa por isso. Inevitavelmente vamos do céu ao inferno, passamos da fase de admirar tudo para aquela em que dá uma saudade imensa da nossa casa, da nossa origem. Mas uma vez tendo consciência de que é um processo natural, é mais fácil passar por ele.

Acontece que o inverso também é verdadeiro. Quando chega a hora de voltar, é uma ilusão pensar que logo nos sentiremos em casa. Retornar é, praticamente, uma imigração. É aí que entra a “síndrome do regresso“, termo cunhado pelo neuropsiquiatra Décio Nakagawa, que estudava a frustração de brasileiros que voltavam ao país, para designar um certo “jet lag espiritual”. A sensação é de que se perdeu o bonde da história (...) a pessoa se sente por fora do que antes conhecia profundamente". Segundo a psicóloga Kyoko Nakagawa, a adaptação em outro país acontece em seis meses, já a readaptação ao país de origem demora dois anos (!).

Quando cheguei de Vancouver sofri muito por ver que já não estava inserida na rotina da minha família e amigos. Por mais triste que pareça, fui eu quem os forçou a viver sem mim, então não dava nem pra cobrar. Nunca duvidei de que me amassem, mas enxerguei o que todo mundo sabe: ninguém é insubstituível. Parece pouco, até acontecer com a gente! 

De acordo com a síndrome, "para amenizar o estranhamento, é comum se refugiar apenas nos amigos feitos durante sua vivência no exterior (...) o emigrante já não vê graça nas pessoas e nos lugares que frequentava antes". Claro que os "próximos" não reagem bem. Talvez se sintam, inconscientemente, abandonados ou ressentidos. Da nossa parte, parece que abrimos nossos horizontes e o que antes nos satisfazia já não nos atrai tanto. E é ainda mais difícil tentar conversar sobre isso. Enquanto as pessoas estão felizes com a nossa volta, seguimos com a mesma "ladainha queixosa", o que gera um sentimento de culpa.


Teve uma parte que ri muito: "o ex-emigrante fica tão abalado com a volta, que muitos engordam bastante em poucos meses. “Só me resta comer, só bebendo dá pra aguentar!”. Exatamente o que aconteceu comigo quando voltei de Vancouver e agora que voltei de Montreal! E olha que o lindt aqui é bem mais caro! =D

Segundo o artigo, a saída para muitos é uma nova emigração, desta vez interna. Eu lembro que logo que voltei pela primeira vez, em 2008, fiz um projeto com o Ministério do Turismo e cada lugar que eu viajava era uma cidade em potencial para morar. Como já não me adaptava em São Paulo, quis conhecer cidades como Ribeirão Preto, Curitiba, Florianópolis, Uberlândia, Porto Alegre, sempre tentando descobrir se eu conseguiria me adaptar à alguma delas. "Nada como o mecanismo de defesa com substituição: conhecer outro amor (ou lugar) para se desapegar do “primeiro amor”. Mas não me via em nenhum desses lugares, mesmo estando mais pertinho de casa.

A insatisfação é tanta, que são acionados os alarmes. Um exemplo é a síndrome do "tapete vermelho". O profissional se sente desvalorizado, lamenta que as empresas não reconheçam o seu valor. Por sua vez, a maioria das pessoas passa a considerar o emigrante esnobe, ele achava que seria super-bem recebido, até profissionalmente, e percebe que as coisas não são bem assim. Segundo a psicóloga,"um ano depois de ter voltado, ainda não se adaptou, pessoalmente, nem conseguiu organizar sua vida profissional".

Achei este trecho bárbaro: "Fica deprimido e passa a sofrer de insônia – por causa da diferença de fusos horários - já que anda espiritualmente lá fora (...) Fica avaliando a possibilidade de ir embora novamente, dessa vez para sempre". Exatamente o que aconteceu comigo. Minha mãe se preocupava que eu não conseguia dormir, e eu a tranquilizava: meu corpo está aqui mas minha cabeça está lá, mãe, estou em outro fuso! rsrs

E este se encaixa perfeitamente pra espera da imigração: o sintoma mais comum é a recusa em viver no presente, vive com a memória do passado ou com o sonho do futuro (alguém aí se identifica?). Enquanto a nostalgia nos fazia esquecer os problemas da terra-natal, o retorno evidencia uma total decepção com o nosso país. "Arranja-se um bode-expiatório para responsabilizar como a causa do problema. Por exemplo, dado o choque de realidade ao voltar de país com maior segurança pública, o ex-emigrante fica meses sem sair à noite".

Comigo foram vários bodes, uma fazenda, pra falar a verdade (rsrs). Mas o que fazer quando roubam o carro do namorado no dia seguinte da chegada do aeroporto?! Pior: com uma caixa do duty-free no porta-malas! E isso tudo na porta de casa, em plena luz do dia, numa cidade pacata do interior!?! Não dá nem vontade de contar o fato (coletivo de bode, acabei de pesquisar!)

Mas o artigo conclui que depois das primeiras decepções, normais em todos os lugares, "a pessoa amadurece e passa a fazer uma análise mais justa com o Brasil e outros lugares". Bom, ou eu ainda não mudei de fase, ou a minha análise é justíssima e, sinceramente, não tem comparação! Eu AMO o Brasil, seu otimismo, superação, bom-humor (fora do trânsito, claro). Mas sei que ele está adoecido, pegou o vírus da corrupção, o que está gerando falência múltipla dos órgãos: na política, na saúde, no transporte, na segurança, na educação, no respeito ao próximo... e o pior é que esse vírus parece mutável e vai se multiplicando com o mecanismo da impunidade! Eu que não sou médica nem nada, vou tentar me imunizar. Preciso descobrir até que ponto estou comprometida! rsrs

Claro que esta é apenas a minha análise, cada um tem o direito de ter a sua. De qualquer forma, é importante reconhecer os indícios. Analisar o que é sintomático e o que é real pra cada um. Procurar ajuda, se necessário. E buscar a felicidade, sempre, everywhere.


SÍNDROME DE EMIGRANTE



  • 1 mês antes de partir: Eufórico, o futuro imigrante lê tudo sobre a cultura na qual pretende se inserir e planeja uma vida nova
  • 1ª semana antes de ir: A proximidade da viagem gera os primeiros medos de que tudo dê errado
  • 1ª semana no exterior: Deslumbrado, o imigrante passa a considerar que o novo país é um paraíso
  • 1° mês no exterior: Solidão, choque cultural, falta de domínio do idioma e diferença de clima começam a aborrecer o aventureiro, que passa a ter saudade de casa
  • 3° mês no exterior: A língua ainda pode ser um entrave, mas as facilidades do novo país parecem valer a pena
  • 6° mês no exterior: Completamente adaptado, o viajante lida bem com a saudade de casa e com as dificuldades próprias de morar fora

  • 1ª semana antes de voltar para casa: Esse é o pico da saudade da família, quando o viajante começa a combinar encontros com amigos e a fazer as malas
  • 1ª semana em casa: Tratado como visita ilustre, o bom filho ainda não teve tempo para avaliar o que perdeu com o retorno
  • 1° mês em casa: Fase áurea da nostalgia, quando a vivência no exterior parece ter sido um sonho para o qual a pessoa espera voltar o mais rápido possível
  • 2° mês em casa: Ninguém aguenta mais ouvir histórias sobre sua viagem. Os amigos passam a achá-lo esnobe e deslumbrado
  • 3° mês em casa: Nesse ponto, a maior parte das pessoas volta a ter vida normal, com atividades como trabalho e estudo. A readaptação completa, no entanto, só acontece depois de dois anos de retorno
Fonte: Kyoko Nakagawa, coordenadora do Projeto Kaeru e Marina Motta, autora do livro “Intercâmbio de A a Z“

6 comentários:

  1. Olá,

    Já conhecia está pesquisa, e concordo com ela em vários aspectos, mas dois anos é somente em casos extremos.
    Já fui e voltei algumas vezes, e mesmo agora não posso afirmar que acabou, então sei bem como é isso.
    Já passei por chata e esnobe, que só sabia falar da vida fora do Brasil, e depois vi as mesmas pessoas que me criticavam, após terem suas próprias experiências fora, fazerem a mesma coisa e ainda dizerem para mim, agora eu te entendo.
    Em suma, todos somos seres humanos, só muda a casa, mas a essência é quase sempre a mesma. =)

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    1. Pois é, acho que essa é a conclusão mais válida desse artigo. Somos todos muito parecidos e muito das nossas atitudes são resultado das experiências que escolhemos pra nossas vidas. O meio nos afeta enquanto seres humanos e devemos estar conscientes disso. De resto é cada indo atrás do que acredita!
      Beijão!

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  2. Seja profissionalmente, pessoalmente, visualmente, este comichão de mudança vai nos perseguir por toda a existência... E nosso caso é mais aparente e latente, pois mudaremos de nação e nossas mentes e até mesmo espíritos estão mais lá do que cá. É um exercício diário pra não entrar em depressão por conta disso, viu!
    Outro dia mesmo, mon mari comentou que está morrendo de saudades do Canadá sem ao menos ter ido lá. Louco, não?! Mas o fato de projetar sua vida na Imigração Québecois o deixa saudosista de um tempo tranquilo e seguro que está prestes a entrar pela porta da frente.
    Haja análise com nossa sábia Kyoko Nakagawa!

    A propósito, Dea, estes passarinhos são simplesmente deliciosos. Mimosos demais!
    Bjo grande
    Nilian

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    1. Oi Nilian! Que loucura isso da saudade, né?! Saudade do que ainda não foi... ou ainda naquele papo metafísico, saudade do que está contido nesse instante! rsrs

      Às vezes eu imagino a minha vidinha lá, minha rotina, e esse pensamento me dá uma alegria, um calorzinho no coração! Ainda não vivi nada do que imagino, mas é como se já me fosse familiar... acho que é isso que chamam de viver no futuro!
      Haja análise... =D

      Por enquanto, na falta de novidades, fico com meus passarinhos... rsrs

      Beijão!

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  3. Excelente matéria e excelente post, Andrea!
    Gostei muito das tuas reflexões e fiquei mais tranquila conhecendo as fases para não achar que só eu passaria por isso.
    Em grupo tudo é mais fácil!

    Vou indicar teu texto no Face do meu blog, tá?

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    1. Oi Clarice!
      É exatamente isso que eu queria passar, a gente é humano e reage de forma mais parecida do que imagina. Quando eu comecei a ler a matéria, fiquei boquiaberta, acabei me identificando com tudo!

      Às vezes a gente acha que não se adapta, que o problema é "com a gente", mas sempre tem alguém passando por coisa parecida. E é no "espelho" que a gente se enxerga, é por meio dele que a gente evolui. Por isso é tão importante o trabalho do psicólogo!

      Claro que pode indicar meu post, vou adorar, obrigada! =D
      Bisous!

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