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domingo, 24 de outubro de 2010

Ausência assimilada

“Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim.”

É isso. A ausência não é falta. A falta nos come vivos. A ausência, por mais paradoxal que pareça, nos preenche.

Aniversário de 5 dias!

Cheguei há cinco dias.

No primeiro, fiquei desorientada. Não sabia se acomodava as roupas no novo quarto, se comia, se dormia ou se aproveitava para conhecer a vizinhança antes de escurecer. Acabei fazendo um pouco de cada, e nada direito. E antes de matar a minha própria curiosidade, entrei na internet para matar a curiosidade dos mais próximos, que já estavam agoniados com a minha demora.

No segundo dia, fui conhecer a cidade. Tomei um banho demorado e fui para downtown. A roupa aguentou o frio (camiseta de algodão, cacharrel de lã, blusa térmica e casaco, acompanhados de um jeans com meia fio 110, gorro, luvas e cachecol). Acho que exagerei, nem era inverno ainda. O sufoco é que depois de entrar no ônibus quente, no metrô quente, na lojinha quente, na escola quente... dá uma vontade danada de sentir o friozinho de novo.

O frio daqui é um frio que vicia, dá uma sensação de limpeza e liberdade, que o calor não dá. É um frio bom sentir, diferente do frio que te derruba no Brasil, que não te deixa sair debaixo das cobertas...

Aproveitei pra visitar a escola de francês, o YMCA, e descobri que mais parece um clube, com direito a cheirinho de Fórmula e tudo mais. Também troquei uns dólares no Bureau de Change e almocei no Anton e James, um restaurante muito agradável, com um som legal de fundo, que fez com que me sentisse em NY.

Mais tarde, olhei as vitrines da rua Ste-Catherine (a Robson de Montreal) e jantei com a Cris, que conheci no avião. Fomos ao La Medusa, um italiano com péssimo serviço e comida mais ou menos. Não fosse por um senhor muito simpático que se sentou na mesa ao lado, a noite teria sido um fiasco. Ele nos disse que aquele era o restaurante favorito da Celine Dion (se for, ela precisa conhecer a Pasquale).

No terceiro dia, fui conhecer a região que mais me agradou no vídeo espetacular do tourisme-montreal, o Vieux Port. A visita só confirmou minhs expectativas: o bairro é lindo (eu conto mais em outro post) e o frio é de lascar!

Foi então que decidi comprar a jaqueta de inverno (queria comprar uma 80% duvet, como os brasileiros recomendaram, mas não resisti a uma weekend sale da Sears!). No quarto dia acabei comprando na loja do Carrefour Angrignon que tinha um casaco em promoção de 300 por 150 dólares! Só tem 65% duvet, mas a Marie -da minha homestay- me jurou que segura o frio). Agora só faltam as botas!

* Quem chega ao Canadá no verão, deve aproveitar pra comprar os casacos Canada Goose enquanto estão em oferta. No final do ano os preços aumentam, e aí só quem tem muita grana mesmo pra pagar U$500 dólares no "brinquedo" (não que não compense no fim das contas...mas que dói, dói!)

E agora, no quinto dia, vou conhecer a Catedral de Notre Dame com a Desiree. Depois eu conto mais!

A individuação...

"Em vez de ficar com a casca mais grossa, me acontece o contrário: perco a pele, tenho de esperar outra vir já contendo essa nova experiência. E cada nova experiência me traz algo que me permite enxergar com mais amplitude o mundo de fora, porque o horizonte que me habita se tornou mais largo." Eliane Brum

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O reencontro!

"A palavra felicidade é apresentada em quase todas as línguas, diz Lacan, em termos de reencontro. Em francês, ela joga com o termo bonheur e sua decomposição em bon (boa) heur (sorte, fortuna) - assim, felicidade é também um bom presságio, um bom reencontro, tem a dimensão de augúrio. No inglês, em happiness há happen que é um acontecimento, um encontro, marcando o caráter feliz da coisa. O que se acentua, principalmente, como vindo da própria palavra, é essa condição de reencontro, de sorte, presságio, algo por advir."

Li isso aqui, por acaso, enquanto buscava a tradução da palavra reencontro para o francês.

Foi em Toronto, no YYZ que a passarinha aqui reencontrou o Canadá. O coração bateu forte, não sabia se iria me aceitar de volta...

Oui. Aceitou!

"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida", já dizia Vinicius. E é engraçado ver tanta gente passando por encontros e desencontros parecidos.

No rádio do taxi tocou Águas de Março, em francês.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Preparativos para a lua de mel

Estava decidido: a lua de mel duraria até março. Visto em mãos, passagens compradas, era hora de começar a dizer adeus. Ai que palavrinha difícil! Vem carregada com um medo horrível do desconhecido e das escolhas definitivas...

Despedir-se das coisas (do apartamento, do carro etc), tudo isso doeu, mas deu pra segurar. Aliás, nem se compara à dor permanente da despedida das pessoas, que aumenta com o peso da distância que se impõe e com a vontade absurda de levar o mundo inteiro com a gente!

Não queria ser chata, ficar dizendo o tempo inteiro que o Canadá era um melhor partido. Não gosto de comparações assim, vazias, subjetivas. No fundo eu sabia que o melhor pra mim, talvez não significasse o melhor para os que me rodeavam. Mas eu insistia. Com a licença de que, quando a gente tá apaixonado, o nosso namorado (ou noivo, neste caso), parece-nos o melhor partido do mundo! E a gente fala isso sem conhecer quase nada, porque não importa, não há espaço para ser melhor. O espaço havia sido ocupado.

Começaram, então, as pesquisas. Caramba! QUANTOS BLOGS LEGAIS SOBRE O CANADÁ! Quanto mais a gente lê, mais vemos pessoas parecidas com a gente, sentindo a mesma necessidade (porque já deixou de ser apenas vontade faz tempo!).

Aliás, o processo de imigração tem dessas... demora tanto e requer tanto empenho, que quem chega até o final é porque quer DE VERDADE!

As pesquisas foram importantes. Falta muito tempo para o processo acontecer, mas para a lua de mel falta menos de uma semana. Algumas roupas já foram compradas, outras só lá mesmo. As malas estão quase prontas. O próximo post, deve ser de lá!

The frozen bird will meet her fiance! Enchanté!

O dia da noiva

É engraçado pensar em um passarinho fêmea que tenha um dia de noiva. Mas eu tive.

Depois que agendei a viagem para Montreal, o cabeleireiro ligou e disse que eu ganharia uma lavagem, uma escova e uma maquiagem, para uma foto em homenagem às mulheres.

Claro que eu fui, estava precisando. E foi muito bom. Aproveitei para disfarçar as minhas luzes no tom original do cabelo. No Canadá, pra manter o look acaba saindo caro. Aliás, cabeleireiras do Brasil, tem um mercado enorme no Canadá!

No fim do dia, com tudo pronto, chegou o momento da foto. E, como não poderia deixar de ser, a minha alma transpareceu. Dava pra sentir uma certa desilusão no olhar, mas via-se também a determinação e a certeza inocente de que "desta vez tudo daria certo"...

Talvez fosse uma certeza inocente (como são todas as certezas), mas não importa. Era uma certeza.

E não valeria a pena me casar, se ela não estivesse ali.

Casamento civil

Terminei o último post dizendo o quanto é difícil deixar uma paixão antiga. E era exatamente isto que o Brasil significava pra mim. Aí, quando vem a saudade, é inevitável, a gente só lembra das coisas boas: das festas, da família, dos amigos, da música, da comida e da alegria que só o Brasil sabe ter.

Eu queria tanto acreditar nele, era capaz de defendê-lo contra qualquer um que ousasse dizer que ele não tinha jeito. Ficava horas no trânsito, trabalhava dignamente, ganhava pouco, estudava mais, fazia tudo direitinho. E por mais que eu visse todo mundo sacaneando o Brasil, não desistia. Tinha pena, sabia do seu potencial, da sua luta e da sua garra para crescer. Também me compadecia de sua dor, da falta de acesso a condições mínimas de saúde e estudo. Sempre soube que seria uma batalha longa e árdua, mas queria fazer a minha parte, mais ou menos como naquela historinha do passarinho que levava água no bico pra apagar o incêndio da floresta...

Mas o passarinho congelou. Já não conseguia viver sem esperanças, sem acreditar no que estava fazendo. Já não era exemplo pra ninguém. Ficou fraco, fora de forma, deprimido, cada vez mais só. Olhou a sua volta e viu que, enquanto estava tentando apagar o fogo na floresta, os outros riam, dançavam e ainda colocavam mais fogo nas labaredas. E quando chegou a este estágio de solidão, imediatamente se lembrou do antigo namorado que havia deixado para trás, o Canadá.

Para não perder mais tempo, o passarinho (ou melhor, a passarinha aqui) decidiu entrar com o pedido de casamento de uma vez por todas: deu entrada no formulário de imigração. Foi num dia de chuva, sem romance, nada de especial. Entrou numa fila do correio, entregou os papéis e saiu, sentindo medo e alívio ao mesmo tempo.

A resposta demorou e depois soube que a entrada só foi dada no mês seguinte (todo mundo anda querendo casar com o Canadá!). Dali em diante, com um pouco de sorte, os planos seriam: uma pequena lua de mel, os preparativos para o casamento civil e, finalmente, o casamento religioso, seguido de uma grande festa!

Namoro com o Canadá

Eu namorei o Canadá por alguns anos até me mudar pra casa dele em 2007. Nosso primeiro apartamento era lindo: bem iluminado, bem localizado (no bairro de Coal Harbour, em Vancouver), super prático, com tudo novinho e com uma muitas janelas, que serviram de moldura para estonteantes fins de tarde -coloridos em rosa, lilás e laranja.

Foi difícil não me apaixonar por aquele povo correto, que fazia o certo simplesmente porque era certo, e que dava um voto de confiança para que a gente fizesse também. A verdade é que não lhes fazia sentido agir de outra forma. Se agir com ética, respeito e solidariedade permitia que todos vivessem bem, ficava mesmo sem sentido preservar aquela angústia, o medo de ser assaltado em qualquer esquina e o egoísmo necessário à sobrevivência, que todo paulista conhece tão bem.

E o namoro foi evoluindo, com o Canadá sempre me fazendo pequenas surpresas. Primeiro, ofereceu um seguro de saúde baratinho, já que eu estava estudando na Vancouver Film School. Depois, resolveu me entregar cheques de reembolso a cada trimestre, pois não achava justo que eu pagasse as taxas que vinham embutidas nos produtos, se eu ainda nem sabia se iria ficar por lá mesmo.

Estava tudo ótimo, até acabar a faculdade. Aí não foi fácil... estava sensível, cansada e me deu uma saudade danada do Brasil. Juro que nem sei como consegui me afastar do Canadá. Fiquei um ano longe e só voltei em julho, pra passar o aniversário com ele. Ele continuava lindo. Lindo por dentro e por fora. Ele me mostrou novos caminhos, lugares lindos como as Rocky Mountains e me mostrou que existe verão por lá, sim! Mas eu não estava preparada pra ficar de vez, sentia uma certa culpa de deixar o Brasil! Ai, como é difícil esquecer uma paixão antiga... (continua)
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